domingo, 26 de maio de 2013

O alho e a cebola [que eu queria ser]



Eles estavam lá. Parados no mesmo lugar não sei precisar quanto tempo. Digamos que tempo o bastante para se entediarem com a condição deles de estáticos na cozinha perto do fogão. O calor dos momentos culinários os fizeram despertar de dentro de si uma vontade imensa de crescer. E assim fez-se o primeiro broto. A cebola já mostrava uma raminha verde que fazia parecer nela um cabelo natural. Sabor cebolinha. O alho, de uma das pontas, lançou ao ar também um singelo caule. Ambos ali, sem conversar um com o outro, tiveram a mesma ideia. Eles estavam plenos de vontade de crescer. De saltar da condição mórbida de serem tão simplesmente consumidos.
Vendo o desespero deles em querer chamar a atenção para a real necessidade de suas vidas, eu me compadeci. Primeiramente, como um bom ser humano, perguntei-me até que ponto aquele dente de alho, saltado de um sorriso alhado, e aquela cebola, pulsante de cabinhos de cebolinha, continham vida naquele corpo estático e cego. Quando vi que não chegaria a conclusão alguma, resolvi agir mesmo assim. O dente de alho, coloquei no vazinho de violeta, vizinhos que nem se falavam antes. Também, não se viam. A cebola, esta foi parar dentro de um copo com água.
E foi o que aconteceu o milagre da vida, que já havia naqueles corpinhos. O alho ganhou força que buscou na terrinha e jogou o mais alto que pôde seus caules de alho. Talvez fosse novo alho e se sentisse um pé de feijão mágico. Um pé de alho mágico, no mundo dos alhos. A cebola em seu copo de água começou a jogar por todos os lados da outra extremidade uns pezinhos de raiz. Se tivesse terra ali, provavelmente, ela também se estabeleceria como moradora fixa do copo. Em outro bairro, outro contexto, ainda na cidade da cozinha, fizeram uma comunidade muda. A violeta desflorada, o alho e a cebola. Não se sabia quem queria mais da vida.
De qualquer forma, eles cresceram tão prontamente, como se tivessem nascidos para isso apenas. Nem se lembram mais hoje em dia que virariam temperos, de tão distante que essa realidade ficou. E o que eu fiz para contribuir? Alimentei.

Depois de um tempo, fiquei pensando. O que tem esse dente de alho e essa cebola que eu não tenho? Por que eu não consigo fincar raízes e lançar ao alto meus ramos científicos? Esse alho e essa cebola eram minha inspiração cada vez que eu olhava para eles. Mas quando eu me via na força de fazer pulsar meus brotinhos, simplesmente eu não conseguia. Imagino minha orientadora tentando me alimentar de alguma forma, e eu me negando como uma criança mimada. Se eu fosse tão receptivo quanto o alho e a cebola que eu ajudei a vingar... mas não. Eu não era. Então, estou aqui nestas palavras tentando buscar dentro de mim uma porção heroica de alho e cebola. Não sei a energia específica para fazer nascer o primeiro brotinho, o primeiro pontinho de caule. Mas quando eu descobrir o segredo, quero ganhar os céus também. Eu posso, porque eu também tenho dentes e cabeça. Talvez eu esteja no bairro errado, deslocado, procurando um lugar de onde tirar os nutrientes que me faltam. Mas eu me mexo. E se mexer sem saber para qual direção ir é o mesmo que não se mexer. Igual aos dois, que sem poder se mexer, sempre souberam que direção tomar. Eu quero ser um alho. Eu quero ser uma cebola.

2 comentários:

  1. Caro garoto alho-cebola nem sabes, mas assim do jeitinho que está (inerte) alegra e tempera o mundo e o dia (e a noite) de muita gente! Te gosto muito e sei que daí vai brotar ramimha e um belo caule. Tudo tem seu tempo. Aprenda com as cebolas e os alhos! Existe o momento certo! Você vai ver!

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  2. Essa foi uma boa leitura do texto, Hipermetamorfina. O alho e a cebola não estavam simplesmente brotando, como nós que morremos um pouco desde quando nascemos. Teve um momento certo, preciso, oportuno. Eu vou esperar pelo meu momento também. Espero também saber reconhecer o ingrediente da vida que vai me dar esse impulso. Obrigado pelas palavras ^^

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