domingo, 26 de maio de 2013

O alho e a cebola [que eu queria ser]



Eles estavam lá. Parados no mesmo lugar não sei precisar quanto tempo. Digamos que tempo o bastante para se entediarem com a condição deles de estáticos na cozinha perto do fogão. O calor dos momentos culinários os fizeram despertar de dentro de si uma vontade imensa de crescer. E assim fez-se o primeiro broto. A cebola já mostrava uma raminha verde que fazia parecer nela um cabelo natural. Sabor cebolinha. O alho, de uma das pontas, lançou ao ar também um singelo caule. Ambos ali, sem conversar um com o outro, tiveram a mesma ideia. Eles estavam plenos de vontade de crescer. De saltar da condição mórbida de serem tão simplesmente consumidos.
Vendo o desespero deles em querer chamar a atenção para a real necessidade de suas vidas, eu me compadeci. Primeiramente, como um bom ser humano, perguntei-me até que ponto aquele dente de alho, saltado de um sorriso alhado, e aquela cebola, pulsante de cabinhos de cebolinha, continham vida naquele corpo estático e cego. Quando vi que não chegaria a conclusão alguma, resolvi agir mesmo assim. O dente de alho, coloquei no vazinho de violeta, vizinhos que nem se falavam antes. Também, não se viam. A cebola, esta foi parar dentro de um copo com água.
E foi o que aconteceu o milagre da vida, que já havia naqueles corpinhos. O alho ganhou força que buscou na terrinha e jogou o mais alto que pôde seus caules de alho. Talvez fosse novo alho e se sentisse um pé de feijão mágico. Um pé de alho mágico, no mundo dos alhos. A cebola em seu copo de água começou a jogar por todos os lados da outra extremidade uns pezinhos de raiz. Se tivesse terra ali, provavelmente, ela também se estabeleceria como moradora fixa do copo. Em outro bairro, outro contexto, ainda na cidade da cozinha, fizeram uma comunidade muda. A violeta desflorada, o alho e a cebola. Não se sabia quem queria mais da vida.
De qualquer forma, eles cresceram tão prontamente, como se tivessem nascidos para isso apenas. Nem se lembram mais hoje em dia que virariam temperos, de tão distante que essa realidade ficou. E o que eu fiz para contribuir? Alimentei.

Depois de um tempo, fiquei pensando. O que tem esse dente de alho e essa cebola que eu não tenho? Por que eu não consigo fincar raízes e lançar ao alto meus ramos científicos? Esse alho e essa cebola eram minha inspiração cada vez que eu olhava para eles. Mas quando eu me via na força de fazer pulsar meus brotinhos, simplesmente eu não conseguia. Imagino minha orientadora tentando me alimentar de alguma forma, e eu me negando como uma criança mimada. Se eu fosse tão receptivo quanto o alho e a cebola que eu ajudei a vingar... mas não. Eu não era. Então, estou aqui nestas palavras tentando buscar dentro de mim uma porção heroica de alho e cebola. Não sei a energia específica para fazer nascer o primeiro brotinho, o primeiro pontinho de caule. Mas quando eu descobrir o segredo, quero ganhar os céus também. Eu posso, porque eu também tenho dentes e cabeça. Talvez eu esteja no bairro errado, deslocado, procurando um lugar de onde tirar os nutrientes que me faltam. Mas eu me mexo. E se mexer sem saber para qual direção ir é o mesmo que não se mexer. Igual aos dois, que sem poder se mexer, sempre souberam que direção tomar. Eu quero ser um alho. Eu quero ser uma cebola.

quarta-feira, 22 de maio de 2013

Droga da Intimidade


Muitos a chamam de droga. De fato, existe uma parte bizarra da intimidade que as pessoas rejeitam, em geral, que é quando ela se manifesta por meios mais escatológicos. Flatulências e arrotos a parte, a intimidade é algo de muito mais positivo que negativo.
Com a intimidade eu sei o que não só que o outro está à vontade comigo, mas eu também posso medir o quanto o outro me deixa à vontade ao seu lado. Estar em uma relação, seja de que natureza for, a convivência é necessária. Tendo isso, a intimidade é consequência. Estar à vontade para dividir não só as coisas boas ou ruins da vida, mas as minúcias do cotidiano.

Ao tratar dessa questão, sempre tenho a sensação de estar falando de ficar grudado a vida toda, fazer todas as coisas juntos, dividir cada e todo pensamento. Esse é o formato de relação que eu gosto, que eu estabeleço com os meus iguais, sejam eles amores, amigos, colegas, bichos, espíritos, loucuras e por aí vai.

De qualquer forma, é a intimidade que me mostra o quão eu posso ser aceito na rotina de outra pessoa. É a intimidade que me deixa ver que o outro me aceita, sem precisar concordar comigo, sem precisar melindrar para me dizer issos e aquilos. A intimidade serve para isso, para otimizar as relações. Ela é a ponte que faz os sentimentos mais íntimos migrarem de uma boca para a cabeça outra.

Intimidade, para mim, é algo que vicia. Acordar ao lado de alguém ver como ela fica descabelada logo cedo, ou como ela se comporta em seus ritos matinais. Saber o que a irrita, como acorda, como dorme, se sonha em voz alta, ou se cala na noite escura. Intimidade para confessar os desejos mais sórdidos, abrir-se e pensar a si próprio, repensar-se. A intimidade é algo que impregna nas relações e as deixam cheirosas, com gosto de vida vivida. Ela se faz sob os meus pés como ladrilhos de uma viela pela qual ainda estou passando. Olhando para o chão, eu vejo onde os passos são íntimos e onde não são. Piso sempre sobre a intimidade. Ela é um sustento para a alma.

Concluo, pois, reforçando o ditado popular: a intimidade é uma droga. Ela vicia, me deixa sempre querendo mais. Me deixa pensando nela durante o dia, me deixa sentindo sua presença ou sua ausência à noite. Minhas manhãs não são diferentes com ou sem alguém. Elas mudam sim, com a presença/ausência das pessoas ao meu redor, mas elas mexem na minha dinâmica, apenas. Não me seguram, não me impedem. Elas me impulsionam. Eu sou viciado em intimidades. E cá para nós, eu sou íntimo de muita gente por aí. Cada uma dessas intimidades me dá uma relação diferente. A intimidade é o meu termômetro de bem-estar. Eu, que fujo de gente desconhecida sempre, uso esse artefato das relações como um termômetro de bem-estar. Estou bem se estou íntimo. Se estou distante, eu não estou nem mais eu. Portanto, não estou nem mais aí. 

terça-feira, 14 de maio de 2013

Colateral


Que os efeitos do rivotril são fortes, todos já sabem. Que misturado ao álcool, seu alcance é ainda intensificado. Chegamos ao sono Rem, Sem, Tem, Vem, Zen. Toda a turma de sonhos profundos.
            Acontece que acordar durante o efeito que deveria te colocar para dormir se constitui na grande cilada. Se você se lembrar, se for o caso, o que sua memória disser: 1, não é confiável; 2, pode ter certeza de que ela apaga um pouco das nuances, tudo foi mesmo muito mais do que você imagina. Bem, agora vamos à experiência rivotriliana.
            Eu e minha amiga voltando para nossa casa, de uma viagem que dura em média 11 horas. Quando temos sorte, fazemos em menor tempo. Mas de qualquer forma, horas e horas de ônibus é, para mim, um convite a algumas gotinhas mágicas. Elas simplesmente me transformam em alguém que eu sou, só não exerço. Eu sou calmo também. Durmo e tudo, menos quando o assunto é viagem. Aí a coisa pega para o meu lado. E então, peguei eu o frasquinho e gole gole gole... três não, cinco gotinhas e 20 minutos depois, eu estava lá, apagadíssimo.
            Às tantas da madrugada, o ônibus num desses pit-stops grandes preparados para enfiar a faca e rodar no bolso do passageiro pobre. Lá estávamos. Eu, minha amiga e as gotinhas. Eu só me dei conta mesmo do que estava acontecendo quando eu terminava de beber o suco. Bebi tão rápido que só me dei conta mesmo de tudo o que acontecia quando ela questionou um “já bebeu tudo?” que me colocou na realidade. Sim, já bebera tudo. O filho da putinha ainda me seca por dentro. Fico parecendo a garganta do Saara.
            Parada em Araraquara. Pegar outro ônibus para São Carlos. Vou correndo ao guichê, pois temos míseros 5 minutos para retirar as malas e comprar as novas passagens. Dividimos as tarefas. Ela cuidaria das bagagens e eu das passagens. Na fila, quando chegou minha vez, eu pedi claramente: duas passagens para Maringá, por favor. E o cara “o quê??”. Eu, com cara de dócil e paciente, mas sem paciência alguma, expressei pelos cantos das gotinhas o meu mais venenoso MA.RIN.GÁ. E ele respondeu humildemente um “não fazemos essa rota, senhor”. “Como não?”, respondi uma arara já. “Eu vim de lá para cá com essa linha de ônibus e agora não tem mais? Impossível”. Ele, com toda a calma que o cidadão tinha que ter [eu também, mas não fui tão espirituoso], disse: nós fazemos só o estado de São Paulo.
            Na hora me toquei que pedia passagens para a cidade errada. “Então me vê duas para São Carlos mesmo, vai?!” respondi como se tivesse a maior lógica do mundo. O homem achou estranho, fez cara e tudo, mas preferiu nada comentar. Serviu as passagens, paguei e fui embora fingindo ter lógica.
            Ri melhor quem Rivotril, uma vez me disseram. Eu sei que fiquei rindo depois comigo mesmo e com quem mais recontei a história. Confesso que não foi exatamente o que aconteceu, mas as palavras pedem um tempero que a vida real não tem. Se não, nem escreveria.

Espelho mágico


O professor pedira aos alunos que escrevessem um texto. Deu-lhes todas as condições necessárias. Trabalhou com eles o tema central da produção e levou textos que os auxiliariam a pensar sobre o assunto. E lá se foram para casa o aluno e a sua tarefa: a escrita.
Sentado em seu quarto, com o computador ligado, ele olhava para a tela branca de seu editor de textos. Sim, um aluno modernizado, que desconhece o poder do papel. O fato é que estava ali, a tela branca, e à luz que se tinha no ambiente, ele podia ver-se naquele papel metamorfoseado em tela. Ele via seu próprio reflexo. E o seu reflexo também o via.
Foi assustador à primeira vista entender que quanto para mais dentro dos próprios olhos ele olhava, mais ele se via. Estava espantado de ver-se tão nitidamente no reflexo daquela tela. Ele era ele e se reconhecera ali. Não tinha como ser outro, se não o próprio.
Decidiu brincar com a imagem. Como não gostava de escrever, colocou-se um jogo para motivá-lo. Escreveria até que as manchas pretas em forma de letrinhas cobrissem a sensação que tinha de se olhar. Assim, acreditava que iria se sentir menos exposto, protegendo sua ignorância acruada em sua própria vista com um escudo de letrinhas vazadas.
Escreveu sobre o tema aquilo que julgou o que devesse ser escrito. Leu, releu e surpreendeu-se em reler o texto. Não se espantava com o que produzira, mas com a própria ação de reler o que tinha posto na tela. Nunca fazia isso. Mal olhava-se no espelho, quem dirá reler seu próprio texto.
O fato é que todo manchado de curvilíneas e retilíneas apretejadas em seu écran, ele deu por concluída a árdua missão da escrita. Agradeceu ao corretor ortográfico e encaminhou sua obra ao e-mail do professor. Achou que com tudo que tinha escrito esconderia sua verdadeira face, a de desinteressado. Fez o que lhe pediram e ele cumpriu, afinal, era disso que viva a vida escolar.
O professor, por sua vez, ao receber o texto de seu aluno, abriu de pronto e colocou-se a ler, preparado para fazer notas sobre o que leria nas próximas linhas. Primeiro passou os olhos por cada palavra, por cada expressão. Leu os olhos do rapaz, entreabertos, divididos entre a atenção e o despero, entre o sono e a vigília. Leu também os lindos traços do rosto jovem, desejento de cama e de festa. Leu ainda nos cantos dos lábios que um beijo estava escondido ali. Estava tudo escrito. Aquilo era um porta-retrato de seu aluno. O professor nunca havia visto aquele rapaz dessa maneira. Dali para frente, tudo seria diferente entre os dois.
Quando o texto voltou ao e-mail do aluno, já era outro retrato. Quando abriu o arquivo, o aluno espantou-se ao ver nas notas do professor um suposto filho seu. Era pai com o professor de um filho que ambos geraram. Era a cara do menino, mas tinha traços do professor. Eram agora criadores da mesma criação. Eram deuses de mãos dadas. O professor vibrava quando olhava para seu espelho mágico em forma de texto e via nele o rostinho de seu aluno. O aluno não ligou.

terça-feira, 7 de maio de 2013

Deixa falar a intuição






Quando o sono brinca de esconde-esconde entre as cobertas, os travesseiros, entre os olhos, mas nunca ousa entrar? Nem como um fantasma que criam invadir os corpos pela boca, deixei a minha aberta, chamando o nome de Morfeu até altas horas da madrugada. Era calor, era frio, era neutro, era bom, era ruim, era indiferente. A falta de sono misturada com a obrigação de dormir faz isso com as sensações. Ler e entregar-se à falta do sono, ou tentar dormir a todo custo? As dúvidas que pairam no ar, cercamos com essas perguntas da ordem do agora. Mascaramos as mãos que tiram o sono da gente com medidas paliativas para encontrar um meio de pregar os olhos... olhos pregados. Sensação mais cristã que me deu agora. Preciso me purificar. Entre o sono e a vigília, eu passei um tempo na cama. Um tempo na mesa. Um tempo na sala. Um no jardim. Bolei mil receitas, consultei meu horóscopo, fiz um mapa astral. Fiz as contas do orçamento do mês. E o sono só me observava do seu canto majestoso. Deixei até uma armadilha na cama para ele. Pegaria a força se necessário fosse. Mas não. Não foi preciso. Quando parei de prestar atenção que não dormia, despreocupei. Dormi. Talvez essa seja a minha sina. Deixar de olhar diretamente para poder desenrolar. Uma lição para enfrentar as Hydras da minha vida. Não olhar diretamente. A solução não está nos olhos dela. E o fato tão socialmente consumado de enfrentar tudo de cara? Ah, sociedade... desde quando mesmo é que estamos falando a mesma língua? Vou olhar para os reflexos. Vou refletir sobre os reflexos. Vou procurar nos espelhos aquilo que eu nunca vi. Vou olhar para a moldura e deixar que minha mão empunhe a espada e vá para a guerra. Vou atrás dela, mas deixo a intuição falar um pouco mais alto agora.

segunda-feira, 6 de maio de 2013

Quando tudo está bem, o que se torna difícil?


Quando as coisas vão bem, o que se torna difícil? Hoje, um professor meu fez uma brincadeira comigo, dizendo que eu vivo em crises. Disse que sim, que era normal de mim. Mas quem não vive em crises?, pensei depois? Ele, será? Bem, depois de sua provocação, ele em si não importa mais. Importa tudo o que restou na minha mente inquieta. Preciso de dinheiro, preciso de emprego, preciso de boas ideias para desenvolver meus projetos e minha pesquisa do doutorado. Vendo que já estou a caminho de todos esses objetivos, sobram poucas crises para administrar. Assim, sobra fôlego e intervalo entre elas para desenvolver esses passos que me faltam dar até chegar a esses objetivos... mas a pergunta ficou na minha cabeça: por que eu vivo tanto em crise? Nem sei mesmo se é essa a minha natureza. Acho que nem é. Eu sou conhecido por mim mesmo como alguém que leva a vida numa boa, como alguém que ama viver e estar vivo. Confesso que tenho tido tempo e disposição para aproveitar um pouco a vida, mas também tenho me dedicado duro na missão de me tornar um alguém válido socialmente o mais rápido possível. Mas o relógio não funciona ao nosso desejo, nem se dá conta das nossas vontades. A espera é uma das partes da vida que menos gosto. E esperar por alguém que não chega parece se tornar um pouco da minha sina. Isso só porque eu é que fico esperando. É ninguém mais do que a minha própria pessoa que cria a sensação de espera. A expectativa. Todos nós vivemos melhor sem ela. Eu, que odeio expectativas, estou aqui, cheio delas, sem saber onde enfiá-las. E eis a minha mais nova crise. Sorte minha eu me amar o bastante para ter forças para deixar tudo isso para lá. Quando as palavras que eu escrevo vão se materializando na frente dos meus olhos, eu sinto como se eu mesmo tirasse de mim um espinho que me atordoa. Eu sou a minha própria cura. Nada de remédios por hoje, e que esse hoje dure o mais longo dos tempos. Tanta patifaria de ansiedade, tanto alvoroço, depois tanta morbidez com tanta medicação, e no fim, estou eu aqui de novo, sendo ninguém mais que eu mesmo, um alguém em plena crise. Crise que eu posso abdicar, mas não quero. E o professor lá, com aqueles olhos azuis me falando: você está em crise. Tudo em volta daqueles faróis vão se apagando e seu rosto vai se modificando, transfigurando. Os olhos são a janela da alma. A minha não tem janela. Tem uma porta bem larga, um buraco bem fundo. Um vazio intenso todo preenchido de crises a serem administradas. Estou para conseguir um trabalho graças à doença de alguém que será levado a uma mesa de cirurgia, que será impedido de trabalhar por dois meses. Como eu posso odiar a doença? Seja a minha, seja a do outro, é ela quem me abre portas, às vezes. O que é bom e o que não é? Nas crises também aprendo. Hoje, aprendi mais uma lição. Vou respeitar melhor minha condição e viver melhor comigo mesmo. Afinal, eu me amo, tenho que suportar minha própria companhia. Pergunta inicial: quando as coisas vão bem, o que se torna difícil? Acho que minha resposta é lidar comigo se torna difícil, porque quando não estou em crise, resta-me tempo de sobra para olhar para mim mesmo. Nem sempre gosto do que vejo. Alguns ajustes precisam ser feitos. Assim seja, assim como está é que não pode ficar.

sexta-feira, 3 de maio de 2013

Efeitos das medicações


Quando estou medicado, tudo ao redor vai perdendo os tons das cores. As mais vivas vão ficando opacas. As boas notícias vão ganhando um gosto de indiferença. Tudo o que eu preciso nesse momento é botar para fora um choro que fica escondido na garganta da alma. Mas os remédios se transformam cada vez mais numa barreira intransponível.
Ontem, tive uma proposta de emprego que me pareceu bem razoável. Um bom plano. Uma sensação de que pelo menos metade das razões das minhas angústias estaria resolvido. Depois da entrevista, das notícias, eu fiquei ali, extasiado?! Não, fiquei feliz. Mas uma felicidade um pouco mais distante, impessoal. Era como saber que alguém que eu não conheço conseguiu algo que precisava muito. Não parecia ter relação comigo.
Talvez seja esse o ponto. Medicado, eu não me conheço. Dizem-me nem notar diferença. Isso me assusta um pouco. EU me sinto diferente. Eu me sinto neutralizado, neutro. Eu não me sinto eu. Sorrio menos, abraço menos, beijo menos, desejo menos. A combinação bombástica de rivotril e exodum me deixam assim. Eu fico com ânsia de vômito no papel de reações adversas. Mas fico ali. Neutro.  Se eu tivesse uma estante no meu quarto, tenho certeza de que seria um lindo bibliocanto. Eu adoraria escorar meus livros. Eles não têm falado comigo da maneira necessária. Mas eu os escoraria, para mantê-los bem em pé.
Nessa sociedade somos tão objetificados tantas vezes que querer ser um objeto talvez seja parte. Ainda não quero com tanta força ser neutro. Ontem foi o primeiro dia de combinação desses medicamentos. Uma hora, no período da noite, um deles começou a perder o efeito. E aí eu ri, sorri, quase até que gargalhei. Ouvi músicas, cantei, dancei. Mas passou. No lugar da quase euforia vem o nó na garganta outra vez. Êta nó que não desata.
Agora, estou aqui, novamente medicado. Vendo tudo pender para os tons de preto e branco. A comida já não me atrai, a bebida não me diz nada, os amigos, fico feliz de tê-los por perto, mas não tenho mais força para busca-los. Aquela companhia que parecia ser indispensável, de repente, tornou-se uma visita distante, uma visita rápida.
Quando eu parar com as medicações [sim, porque eu pretendo parar], tudo vai voltar ao normal, aos poucos. E eu espero conseguir recuperar um pouco desse eu que eu gosto e prefiro.  Mas por agora, eu sei que lá no fundo tem um de mim que quer chorar. Mas não chora. As lágrimas foram secas com lenços de exodum.
Para quem busca entender os efeitos desse medicamento, fica aqui a dica: é o ensaio da morte. O sono é pesado e sem fim. Não se sonha. Não se fantasia. Dorme-se e fim. Ponto final. Um ponto final que dura até o dia seguinte. Cada dia mais, cada remedinho mais, o lindo nascer do sol se torna tão comum que a sensação de ver cada manhã um espetáculo se torna mais maçante que ver um filme longo e chato por repetidas vezes no mesmo dia.  Estou começando a entrar de novo na parte do tratamento que parece que vivo dez mil vezes o mesmo dia. Mas isso também vai me ajudar a ficar calmo para estudar. Ah, pelo menos isso. A médica disse que nesses momentos eu devo buscar fazer o que me agrada, o que me deixa feliz.
O que me agrada... o que me deixa feliz...  humpf. Não quero mais pensar nisso.

quarta-feira, 1 de maio de 2013

Crises de ansiedade, fascículo mil


Tudo na vida tem o seu preço. Negligenciar o tratamento de transtornos de ansiedade também está neste pacote. Como fere uma crise. Como perder o controle de si é ruim. Mas as coisas parece que nunca se formam na minha cabeça como uma base de aprendizagem. A ansiedade não me deixa ver que é ela que está por trás de pequenas oscilações de humor durante o dia. E quando a coisa estoura, pronto. Já é tarde de mais.
Já venho dizendo há alguns dias para mim mesmo que estou sentindo uma leve ansiedade, uma inquietude que fica dentro do meu corpo, que vira uma vontade estranha nos pés de caminhar sem rumo. Mas no sábado eu me segurei. Durante o almoço com pessoas de bem, tudo parecia sob controle. Tudo mesmo. Nada parecia tocar aquela sensação gostosa da paz que é de estar entre gente querida. Mas não.
De repente, depois de termos comigo, no tal do cigarrinho de depois, eu passei a sentir um quê de incômodo, mas não sabia dizer exatamente o quê. A coisa foi toando formato e de súbito lá estavam minhas mãos esfriando e meu estômago querendo se desfazer daquela refeição tão bem preparada, gostinho de amor. A ansiedade aumentando e eu acreditando que era a pressão caindo. Talvez fossem os dois juntos, de mãos dadas, moldando o meu eu que surgiria nos dois dias seguintes. O desconforto do estômago e a tontura, a tremedeira, o frio por dentro do corpo, tudo estava lá, germinando. E eu apostando na pressão. Mas acabei por entender que era que estava ficando ansioso.
Rivotrilei um sublingual e esperei, deitadinho no chão, no quietinho, esperei a espera para o efeito começar. E começou. O jardim voltou a ficar verde, as plantas e as flores voltaram a brilhar naquele jardim que me assistia sucumbir sem mesmo que eu soubesse o que acontecia. Não sei pontualmente o quê, claro, mas algo estava fora do lugar. Talvez fosse só minha paz de espírito, que foi se alongar por aí, para lá de mim.
O dia terminou de passar lindo. Cuidamos do jardim, cuidamos das plantas e a noite cuidou de nós. A lua enluarou toda a cena e enfeitou com seu ar prateado nosso triunfo sob o espaço verde. Que lugar gostoso aquele.
No dia seguinte, eu, crente que era fortão, passei o domingo de manhã na companhia das mesmas alegrias do dia anterior. Mas foi chegando mais gente, e mais e mais. E eu lá, acreditando na força que eu não tenho, mas que naquele momento eu tive. Eu me comportei. Muitas risadas e muitas conversas. Partes leves e pesadas dos que partilhavam daquelas xícaras de café de amizade respingavam na minha alma. Ora me faziam rir, ora me faziam pensar em mim próprio, nas minhas ações. A história do castelo de areia, daquele que não saiu da planta. A planta que não saia da cabeça de sua arquiteta. A relação unilateral fadada ao fim. E lá estava eu, de plateia. Parecia que eram pessoas contanto minha própria história, espalhada em diversas bocas. Mas ouvi tudo e calei. Quando oportuno, opinei. Às vezes, eu só queria sair, ir embora, partir. Mas por quê?, eu me questionava. Estava tão bom ali? Minha adrenalina brincando nos meus pés não entendiam nada disso.
Domingo à noite terminou na rua, com bar e mais gente. Na mesa, aqueles de antes, mas em volta, mais gente ainda. Eu estava lá, claramente me convencendo que eu era forte. Escondi até de mim mesmo o desconforto social. Ansiei e até mesmo tive momentos de querer levantar e partir. Mas fiquei, eu era forte, pensei. E fui. Fiquei até o fim. Até que todos juntos se levantaram e seguiram seus rumos. E eu segui o meu, que não era bem o meu, mas era um rumo que mantinha bom compasso no meu coração. Ahh, coração, coração. Batendo ora forte, ora fraco, ora lento, ora rápido. Mas sempre batia. Eu estava vivo e tudo isso faz parte da vida.
Segunda-feira, dia do terror. Logo pela manhã, acordei com um grito preso na garganta, um grito que eu abafei e impedi de sair. Gritei para dentro de mim. Era o que tinha que ser feito. Soltei pequenas pílulas de estresse e descontentamento, percebido de leve por aqueles que estavam do meu lado. Mas nada de alarmismos. Eu nem mesmo sequer comentara dos riscos que eu mesmo sofria. Acreditei, com a força da minha ingenuidade, que tudo passaria jajá. Mas não passou. Foi crescendo. Briguei pelas pequenas coisas da vida, pelos pequenos planos do dia. Chutei a porta dos estabelecimentos que precisava ir. Não sorri para ninguém. Não tinha sorrisos guardados naquele dia.
Então, de volta para casa, achei que estava seguro, protegido. Consciente de que eu precisava mesmo era relaxar, preparei para mim mesmo uma bela de uma caipirinha. Desceu gostosa pela garganta. Pareceu ter mesmo lavado os gritos sufocados que eu escondi. Uma, duas, três. Até que os planos mudaram. Bem acompanhado, fui a um bar, bem típico, onde ficássemos à vontade. O mesmo bar do domingo. Lá, comemos, bebemos. Rimos e fomos felizes. Mas não, algo era crescente em mim. Bastou a gota d’água para fazer tudo ir pelos ares. Não importa qual gota tenha sido essa, já estava tudo voando para todos os lados. Meu olhar perdido, não focava, procurava um certo conforto que não estava naquele lugar. Fomos até a casa de uma amiga. Lá, mais gente desconhecida. Era para eu ter me sentido acolhido, porque fizeram de tudo para que fosse assim.
Tentei impedir. Tentei escapar dali. Consegui. Corri, mas não sabia para onde eu ia. Cheguei em casa, mas não durei muito tempo. Saí de novo. Andei andei andei e fiz tudo o que eu podia para me arrepender pelo resto amargo do dia da terça. O feriado que minha paz tirou para descansar de mim. Nesse episódio maluco, 5 doses do sublingual rivotril nem fizeram cócegas em mim. Tiraram-me o olhar de loucura. Não me trouxeram nem um pouco de doçura. Saí às 3h40 para caminhar. Caminhei por uma hora, e na hora seguinte foi a vez da minha razão sair por aí.
Eu tenho sorte ainda assim de ter boas companhias. Não gosto de envolver as pessoas nas minhas crises de ansiedade, de pânico. Mas não consegui evitar. Quando vi, estava feito. E agora estou aqui, juntando os meus próprios cacos. Está certo e claro, eu não sou forte, sou fraco. Vou retomar meus remédios depois da aula tensa de amanhã.