Eles estavam lá. Parados no mesmo
lugar não sei precisar quanto tempo. Digamos que tempo o bastante para se
entediarem com a condição deles de estáticos na cozinha perto do fogão. O calor
dos momentos culinários os fizeram despertar de dentro de si uma vontade imensa
de crescer. E assim fez-se o primeiro broto. A cebola já mostrava uma raminha
verde que fazia parecer nela um cabelo natural. Sabor cebolinha. O alho, de uma
das pontas, lançou ao ar também um singelo caule. Ambos ali, sem conversar um
com o outro, tiveram a mesma ideia. Eles estavam plenos de vontade de crescer.
De saltar da condição mórbida de serem tão simplesmente consumidos.
Vendo o desespero deles em querer
chamar a atenção para a real necessidade de suas vidas, eu me compadeci.
Primeiramente, como um bom ser humano, perguntei-me até que ponto aquele dente
de alho, saltado de um sorriso alhado, e aquela cebola, pulsante de cabinhos de
cebolinha, continham vida naquele corpo estático e cego. Quando vi que não
chegaria a conclusão alguma, resolvi agir mesmo assim. O dente de alho,
coloquei no vazinho de violeta, vizinhos que nem se falavam antes. Também, não
se viam. A cebola, esta foi parar dentro de um copo com água.
E foi o que aconteceu o milagre
da vida, que já havia naqueles corpinhos. O alho ganhou força que buscou na
terrinha e jogou o mais alto que pôde seus caules de alho. Talvez fosse novo
alho e se sentisse um pé de feijão mágico. Um pé de alho mágico, no mundo dos
alhos. A cebola em seu copo de água começou a jogar por todos os lados da outra
extremidade uns pezinhos de raiz. Se tivesse terra ali, provavelmente, ela
também se estabeleceria como moradora fixa do copo. Em outro bairro, outro
contexto, ainda na cidade da cozinha, fizeram uma comunidade muda. A violeta
desflorada, o alho e a cebola. Não se sabia quem queria mais da vida.
De qualquer forma, eles cresceram
tão prontamente, como se tivessem nascidos para isso apenas. Nem se lembram
mais hoje em dia que virariam temperos, de tão distante que essa realidade
ficou. E o que eu fiz para contribuir? Alimentei.
Depois de um tempo, fiquei
pensando. O que tem esse dente de alho e essa cebola que eu não tenho? Por que
eu não consigo fincar raízes e lançar ao alto meus ramos científicos? Esse alho
e essa cebola eram minha inspiração cada vez que eu olhava para eles. Mas
quando eu me via na força de fazer pulsar meus brotinhos, simplesmente eu não
conseguia. Imagino minha orientadora tentando me alimentar de alguma forma, e
eu me negando como uma criança mimada. Se eu fosse tão receptivo quanto o alho
e a cebola que eu ajudei a vingar... mas não. Eu não era. Então, estou aqui
nestas palavras tentando buscar dentro de mim uma porção heroica de alho e
cebola. Não sei a energia específica para fazer nascer o primeiro brotinho, o
primeiro pontinho de caule. Mas quando eu descobrir o segredo, quero ganhar os
céus também. Eu posso, porque eu também tenho dentes e cabeça. Talvez eu esteja
no bairro errado, deslocado, procurando um lugar de onde tirar os nutrientes que
me faltam. Mas eu me mexo. E se mexer sem saber para qual direção ir é o mesmo
que não se mexer. Igual aos dois, que sem poder se mexer, sempre souberam que
direção tomar. Eu quero ser um alho. Eu quero ser uma cebola.