quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Marley e Ele


Marley e Ele

Para Evely Libanori


O homem, feliz, ou bêbado, ou drogado, ou doente mental. Mal vestido, falando bem mole. Mochila nas costas, calça jeans surrada e camiseta de propaganda de algo, já um tanto desbotada. Ele fala com um Cão. E está feliz. Muito. O diferente ainda é como ele fala com o Cão. Ele não se posiciona como dono do Cão, mas como Amigo. Ele dizia – num chora, heim, Amigo! Que que foi?! Num quero ninguém choran perdimim, heim? Pó tratá di ficá feliz!
O Cachorro, mais surrado que o homem, declaradamente de rua, não parecia querer ser pertencido. Apenas era Amigo do homem. Ele, de pelagem negra, suja de areia de uma minúscula faixa de menos de 5 metros de praia na Avenida Beira-Mar. Ele parecia contar algo ao seu Amigo de outra espécie, o humano. Parecia contar um algo bem interessante. Coisas que fazemos entre Amigos. E seu Amigo humano fazia vistas de que entendia tudo e também replicava à altura dos rosnados explicativos. A cena era linda de se olhar. O mar no fundo brilhava dando a sensação que só era aquilo mesmo, na vastidão do oceano, a se observar. Era, ali, a única coisa que importava, para os dois. Um ao outro.
Que que foi? Tá cum fome?  - O bípede, que só tinha sua condição humana a oferecer, assim o fez com gosto e afinco. Virou ele todo a boca do Cachorro Amigo. Assim, começou a abordar os transeuntes – Dá uma moeda, pu favô, seu sinhô, minha senhora, minina, moço.  Assim, tendo juntado um tanto, meteu a mão no bolso de sua calça e de lá tirou como um tesouro uns dinheiros que nos seus olhos brilhavam como um pote de ouro no fim do arco-íris. Seu sorriso me contava que ele tinha o que faltava do dinheiro. E assim, ele e seu Amigo Cão partiram.
Algum tempo depois, voltam os Amigos, uma mais faceiro que o outro. O bípede, de tão contente e feliz que estava até me contagiou, e teria contagiado mais pessoas se as poucas que estavam ao redor prestassem atenção além de si mesmas, na sala de jantar, preocupadas em nascer e morrer. O Cão, então, esboçava contentamento que se derramava por onde passava. As pessoas notavam os dois, mas olhavam diretamente só para o Cão. O bípede não lhes merecia a atenção, pensavam, acho. E ele lá, com a boca aberta num sorriso largo, com a linguona para fora babando feliz, com saltos altos e com o rabo que parecia abanar o Cachorro com muito mais força que tinha o próprio dono!
- Ó que a gente tem!!  - disse gabando-se com uma sacola plástica em uma das mãos. Era a compra com a vaquinha coletiva. Então, levantou a sacola e tirou de dentro um saco de comida. Mas só para o Amigo. Um saco de ração. Ele falava a quem tivesse ouvidos – Rai cumê, rapaizi. Rai lá e enche esse bucho magro”. O Amigo não necessariamente magro, nem parecia esfomeado. Parecia mais um homem independente sentado no quiosque da praia, com seu Amigo humano, dividindo calma e educadamente uma bela porção de cores, sabores, cheiros e tudo mais sortidos.
Tão irradiante estavam, só faltou a música. Então, sacou o o celular do bolso da calça e logo colocou um funk que gemia “desliza, desliza, desliza no quiabo!”. Ele não dançava. Apenas olhava contente seu Amigo comer tranquilamente a ração. O Cão era de rua, e era nobre. Comeu com calma, aproveitando mais a companhia do que o prato. Eles eram Amigos. E de súbito, o homem virou-se para mim e disse: agora é a MINHA vez. E depois sorriu novamente.  Sorriu um sorriso banguela, amarelo esculro e preto. Um sorriso barroco – entre o sublime e o grotesco. Um sorriso sincero, de alma. Pegou no quiosque uma cerveja que pagara com o restante do dinheiro da ração.
Ele estava feliz de ver bem seu Amigo e o fato de viver com as sobras não lhe parecia grave. Senti lendo nos olhos dele um “É o bastante para nós dois, pelo menos por hoje.” Ele, o Cão. Ele, o Humano. Eles. Amigos do peito.
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segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

A crise matinal do dia D


Depois de ter feito a leitura dos pontos principais que eu já tinha pronto, depois de reler um livro todo num dia [nunca consegui fazer isso], depois de ler coisas novas, depois de conversar e descontrair com os alberguistas aqui em Floripa, acordei, há mais ou menos 2 horas, com a adrenalina chegando na goela. A sensação foi crescendo e eu tive que me controlar e procurar o remédio sem acordar nenhum dos 7 alberguistas que dividiam o quarto comigo, e eu com eles. Mas o meu coração não estava nem um pouco divido. Ele estava tomado de uma vontade louca de nem mesmo sei o quê.

Corri tranquilamente em direção ao shorts. O remédio estaria ali, esperando por mim. Mas estava? Não. Serviu para aumentar minha tensão. Meu desespero que aos poucos eu sentia vazar pelos olhos. Movimentos frenéticos da minha mão se enfiaram na mochila atrás de outra cartela. Procurar a começada a essa altura do campeonato é balela. Tomei. Esperei. Diminuiu, mas não passou. Em 15 minutos tomo o café da manhã. Não sei mesmo o que fazer. Estou conturbado e não quero deixar as poucas horas de sono mal dormido atrapalharem meu desempenho na prova. Não estou necessariamente preparado para ela com a lista de livros X, mas tenho alguns conhecimentos que certamente vão me permitir ter as minhas 4 respostas.

O remédio tira a concentração e deixa a pessoa esquecida, disse a médica arregalando os olhos por detrás das lentes dos óculos, que já faziam o papel de arregalamento causando o mesmo efeito ainda que ela não quisesse. São os olhos gigantescos, pupilas dilatas, que eu vejo no espelho. Quando olho para o centro dos olhos, eu a vejo, fazendo ressalvas. Não sei ainda bem o que fazer. Tomei meio remédio, sublingual. E agora, exatamente agora, eu respirei aliviado. Acho que foi a escrita que ajudou a me tranquilizar. Acho que vou tomar café da manhã e tomar a outra parte do remédio. E depois vou deixar que ele faça efeito, comigo na cama, com a Mussalim e com a Bentes. Mais improvável. Mais improviso. Mais sufoco, mais alívio. Mais hora, menos hora, chega a minha vez.