terça-feira, 14 de maio de 2013

Colateral


Que os efeitos do rivotril são fortes, todos já sabem. Que misturado ao álcool, seu alcance é ainda intensificado. Chegamos ao sono Rem, Sem, Tem, Vem, Zen. Toda a turma de sonhos profundos.
            Acontece que acordar durante o efeito que deveria te colocar para dormir se constitui na grande cilada. Se você se lembrar, se for o caso, o que sua memória disser: 1, não é confiável; 2, pode ter certeza de que ela apaga um pouco das nuances, tudo foi mesmo muito mais do que você imagina. Bem, agora vamos à experiência rivotriliana.
            Eu e minha amiga voltando para nossa casa, de uma viagem que dura em média 11 horas. Quando temos sorte, fazemos em menor tempo. Mas de qualquer forma, horas e horas de ônibus é, para mim, um convite a algumas gotinhas mágicas. Elas simplesmente me transformam em alguém que eu sou, só não exerço. Eu sou calmo também. Durmo e tudo, menos quando o assunto é viagem. Aí a coisa pega para o meu lado. E então, peguei eu o frasquinho e gole gole gole... três não, cinco gotinhas e 20 minutos depois, eu estava lá, apagadíssimo.
            Às tantas da madrugada, o ônibus num desses pit-stops grandes preparados para enfiar a faca e rodar no bolso do passageiro pobre. Lá estávamos. Eu, minha amiga e as gotinhas. Eu só me dei conta mesmo do que estava acontecendo quando eu terminava de beber o suco. Bebi tão rápido que só me dei conta mesmo de tudo o que acontecia quando ela questionou um “já bebeu tudo?” que me colocou na realidade. Sim, já bebera tudo. O filho da putinha ainda me seca por dentro. Fico parecendo a garganta do Saara.
            Parada em Araraquara. Pegar outro ônibus para São Carlos. Vou correndo ao guichê, pois temos míseros 5 minutos para retirar as malas e comprar as novas passagens. Dividimos as tarefas. Ela cuidaria das bagagens e eu das passagens. Na fila, quando chegou minha vez, eu pedi claramente: duas passagens para Maringá, por favor. E o cara “o quê??”. Eu, com cara de dócil e paciente, mas sem paciência alguma, expressei pelos cantos das gotinhas o meu mais venenoso MA.RIN.GÁ. E ele respondeu humildemente um “não fazemos essa rota, senhor”. “Como não?”, respondi uma arara já. “Eu vim de lá para cá com essa linha de ônibus e agora não tem mais? Impossível”. Ele, com toda a calma que o cidadão tinha que ter [eu também, mas não fui tão espirituoso], disse: nós fazemos só o estado de São Paulo.
            Na hora me toquei que pedia passagens para a cidade errada. “Então me vê duas para São Carlos mesmo, vai?!” respondi como se tivesse a maior lógica do mundo. O homem achou estranho, fez cara e tudo, mas preferiu nada comentar. Serviu as passagens, paguei e fui embora fingindo ter lógica.
            Ri melhor quem Rivotril, uma vez me disseram. Eu sei que fiquei rindo depois comigo mesmo e com quem mais recontei a história. Confesso que não foi exatamente o que aconteceu, mas as palavras pedem um tempero que a vida real não tem. Se não, nem escreveria.

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