O sol não se arriscou muito no
céu pelo dia. Logo pela manhã, no silêncio humano do fim da madrugada, os
insetos noturnos já retornavam de sua longa jornada noturna. Era preciso ir
embora antes do aviso dos pássaros. O ar naquela manhã estava bem úmido. Fazia
um pouco de frio também. Tudo prometia um inverno bem úmido. Os insetos
noturnos se recolheram à medida em que foram substituídos pelos insetos diurnos
naquele cenário. E a manhã apenas começando.
Um sopro de tempo se deu naquele
instante, e o Sol, ainda oculto pela massa de nuvens no céu, não se manifestou
com nem mesmo uma faísca amarela. Estranhamente naquela manhã algo de diferente
no clima chegou. Uma neblina invadiu a cidade dos bichos e dos homens e começou
a ocultar cada pessoa, cada ser. A neblina seguiu tornando-se densa. Uma
densidade alienante. Não se via nada. Não se ouvia também um piu. Parecia que
tudo e todos estavam assistindo atentos àquela cena de suspense individual e
coletivo.
As brumas tinham mesmo esse poder
nas histórias antigas, contadas entre
os bichos ainda hoje em dia. Já os homens apenas recontam histórias inventadas
no cinema. E as brumas lá, pegando a todos de surpresa. Um filhotinho de pássaro no seu ninho olhava
atônito para sua mamãe pássaro. Pela janela de uma das casas, um par de
olhinhos esgueiravam-se rumo ao nada, bem pertinho dele, ao silêncio envolvente
das brumas. Os grilos, de pernas caladas, e as pétalas de rosa estavam encharcados
de um doce orvalho que cobria de bolhas toda e qualquer superfície que as
brumas tocassem.
Aquele momento fora como um
chamado individual. Aqueles que apenas temeram e esperaram respeitosamente a
situação mudar viveram em paz. Os outros, que aderiram à densa energia vital
que corria naquela bruma, esses sim viram que existe alguma coisa além, um quê
distante da humanice, um algo a ser descoberto no meio da fumaça. E em troca, a
bruma também se alimentou naquele instante dessa conexão com os seres da terra.
Essa troca de energias intensificou ainda mais as brumas, causando mais temor e
respeito nos que não estabeleciam nada.
De tão intensa que a troca ficou,
a bruma se liquefez e virou uma garoa fina fininha. E essa garoa era tão leve
que ao sobro da mais suave brisa elas desenhavam no espaço formas
caleidoscópicas de padrões inimagináveis. Repararam algumas ratazanas que
acompanhavam os primeiros humanos ao trabalho que não era a brisa que movia os
padrões de gotículas, mas a energia que elas trocavam quando se entregavam à
bruma. Isso mexeu novamente com todos. Desde os que ficaram mais fasncinados
pelo evento, os que passaram a respeitar mais ainda, e os que nem perceberam o
que acontecia mas tiveram pelo menos que se projeger daquilo que já tinha se
tornado uma chuva fina. E a bruma se desfazia à medida em que a chuvinha ia
ganhando mais corpo e forma.
Era manhã, o aviso dos pássaros
começara a ser dado. Muita alegria, muita cantoria. As pernas dos grilos até se
raspavam sem querer de vez em quando ao dançarem sem perceber. Um adulto
acordava com esse som enquanto outro se cobria para tentar abafá-lo. A
diversidade na vida e no coração estava ali também, exposto, graças à bruma, que
agora era uma chuva forte com ventos que ameaçavam os ninhos das aves que se
protegiam de seus predadores.
Estava inaugurada a manhã. A
partir daquele instante tudo estaria diferente para sempre. Uma bruma dessas
não se passa assim por aqui sempre. Era preciso comemorar. A chuva foi passando
devagar também. Até que parou de vez e uma família de brisas levou parte das
nuvens para longe. O sol, agora, jogava seus primeiros raios do dia em cima das
folhas molhadas de suor das árvores. O ar ficara leve e uma onda de bom humor
invadia a cidade. E aos poucos, o azul do céu foi se mostrando dentre as nuvens
que não passavam de massas rarefeitas de um cinza claro. Um azul esfumaçado
brilhou intensamente sob os raios do vigor do sol.
O aviso dos pássaros dado, e tudo
no seu devido lugar. A vida estava inaugurada de novo, naquela manhã de
inverno.