Quando estou medicado, tudo ao
redor vai perdendo os tons das cores. As mais vivas vão ficando opacas. As boas
notícias vão ganhando um gosto de indiferença. Tudo o que eu preciso nesse
momento é botar para fora um choro que fica escondido na garganta da alma. Mas
os remédios se transformam cada vez mais numa barreira intransponível.
Ontem, tive uma proposta de
emprego que me pareceu bem razoável. Um bom plano. Uma sensação de que pelo
menos metade das razões das minhas angústias estaria resolvido. Depois da
entrevista, das notícias, eu fiquei ali, extasiado?! Não, fiquei feliz. Mas uma
felicidade um pouco mais distante, impessoal. Era como saber que alguém que eu
não conheço conseguiu algo que precisava muito. Não parecia ter relação comigo.
Talvez seja esse o ponto.
Medicado, eu não me conheço. Dizem-me nem notar diferença. Isso me assusta um
pouco. EU me sinto diferente. Eu me sinto neutralizado, neutro. Eu não me sinto
eu. Sorrio menos, abraço menos, beijo menos, desejo menos. A combinação
bombástica de rivotril e exodum me deixam assim. Eu fico com ânsia de vômito no
papel de reações adversas. Mas fico ali. Neutro. Se eu tivesse uma estante no meu quarto,
tenho certeza de que seria um lindo bibliocanto. Eu adoraria escorar meus
livros. Eles não têm falado comigo da maneira necessária. Mas eu os escoraria,
para mantê-los bem em pé.
Nessa sociedade somos tão
objetificados tantas vezes que querer ser um objeto talvez seja parte. Ainda
não quero com tanta força ser neutro. Ontem foi o primeiro dia de combinação
desses medicamentos. Uma hora, no período da noite, um deles começou a perder o
efeito. E aí eu ri, sorri, quase até que gargalhei. Ouvi músicas, cantei,
dancei. Mas passou. No lugar da quase euforia vem o nó na garganta outra vez.
Êta nó que não desata.
Agora, estou aqui, novamente
medicado. Vendo tudo pender para os tons de preto e branco. A comida já não me
atrai, a bebida não me diz nada, os amigos, fico feliz de tê-los por perto, mas
não tenho mais força para busca-los. Aquela companhia que parecia ser
indispensável, de repente, tornou-se uma visita distante, uma visita rápida.
Quando eu parar com as medicações
[sim, porque eu pretendo parar], tudo vai voltar ao normal, aos poucos. E eu
espero conseguir recuperar um pouco desse eu que eu gosto e prefiro. Mas por agora, eu sei que lá no fundo tem um
de mim que quer chorar. Mas não chora. As lágrimas foram secas com lenços de
exodum.
Para quem busca entender os
efeitos desse medicamento, fica aqui a dica: é o ensaio da morte. O sono é
pesado e sem fim. Não se sonha. Não se fantasia. Dorme-se e fim. Ponto final.
Um ponto final que dura até o dia seguinte. Cada dia mais, cada remedinho mais,
o lindo nascer do sol se torna tão comum que a sensação de ver cada manhã um
espetáculo se torna mais maçante que ver um filme longo e chato por repetidas
vezes no mesmo dia. Estou começando a
entrar de novo na parte do tratamento que parece que vivo dez mil vezes o mesmo
dia. Mas isso também vai me ajudar a ficar calmo para estudar. Ah, pelo menos
isso. A médica disse que nesses momentos eu devo buscar fazer o que me agrada,
o que me deixa feliz.
O que me agrada... o que me deixa
feliz... humpf. Não quero mais pensar
nisso.
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