O professor pedira aos alunos que
escrevessem um texto. Deu-lhes todas as condições necessárias. Trabalhou com
eles o tema central da produção e levou textos que os auxiliariam a pensar
sobre o assunto. E lá se foram para casa o aluno e a sua tarefa: a escrita.
Sentado em seu quarto, com o
computador ligado, ele olhava para a tela branca de seu editor de textos. Sim,
um aluno modernizado, que desconhece o poder do papel. O fato é que estava ali,
a tela branca, e à luz que se tinha no ambiente, ele podia ver-se naquele papel
metamorfoseado em tela. Ele via seu próprio reflexo. E o seu reflexo também o
via.
Foi assustador à primeira vista
entender que quanto para mais dentro dos próprios olhos ele olhava, mais ele se
via. Estava espantado de ver-se tão nitidamente no reflexo daquela tela. Ele era
ele e se reconhecera ali. Não tinha como ser outro, se não o próprio.
Decidiu brincar com a imagem.
Como não gostava de escrever, colocou-se um jogo para motivá-lo. Escreveria até
que as manchas pretas em forma de letrinhas cobrissem a sensação que tinha de
se olhar. Assim, acreditava que iria se sentir menos exposto, protegendo sua ignorância
acruada em sua própria vista com um escudo de letrinhas vazadas.
Escreveu sobre o tema aquilo que
julgou o que devesse ser escrito. Leu, releu e surpreendeu-se em reler o texto.
Não se espantava com o que produzira, mas com a própria ação de reler o que
tinha posto na tela. Nunca fazia isso. Mal olhava-se no espelho, quem dirá
reler seu próprio texto.
O fato é que todo manchado de
curvilíneas e retilíneas apretejadas em seu écran, ele deu por concluída a
árdua missão da escrita. Agradeceu ao corretor ortográfico e encaminhou sua
obra ao e-mail do professor. Achou que com tudo que tinha escrito esconderia
sua verdadeira face, a de desinteressado. Fez o que lhe pediram e ele cumpriu,
afinal, era disso que viva a vida escolar.
O professor, por sua vez, ao receber
o texto de seu aluno, abriu de pronto e colocou-se a ler, preparado para fazer
notas sobre o que leria nas próximas linhas. Primeiro passou os olhos por cada
palavra, por cada expressão. Leu os olhos do rapaz, entreabertos, divididos
entre a atenção e o despero, entre o sono e a vigília. Leu também os lindos
traços do rosto jovem, desejento de cama e de festa. Leu ainda nos cantos dos
lábios que um beijo estava escondido ali. Estava tudo escrito. Aquilo era um
porta-retrato de seu aluno. O professor nunca havia visto aquele rapaz dessa
maneira. Dali para frente, tudo seria diferente entre os dois.
Quando o texto voltou ao e-mail
do aluno, já era outro retrato. Quando abriu o arquivo, o aluno espantou-se ao
ver nas notas do professor um suposto filho seu. Era pai com o professor de um
filho que ambos geraram. Era a cara do menino, mas tinha traços do professor.
Eram agora criadores da mesma criação. Eram deuses de mãos dadas. O professor
vibrava quando olhava para seu espelho mágico em forma de texto e via nele o
rostinho de seu aluno. O aluno não ligou.
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