Ela
era louca, já estava confirmado pela medicina, pela Vox populi e pela santa igreja. Não se enquadrava de modo algum àquela
sociedade tão simples de seguir. Bastava ter o famoso bom senso. O fato é que
não demonstrava compreender determinados valores e em troca organizava só na
cabeça dela um espaço só seu, em que essas verdades, para ela absolutas, jamais
pudessem ser tocadas. Então, ela ficava ali, alienada. Pois não conseguia
ajustar-se entre os outros. Isolou-se aos poucos, na mesma medida em que era
deixada de lado, ou simplesmente desacreditada, não levada a sério.
Para
quem os efeitos da sociedade fossem neutros, ela seguia às vezes um pouco
preocupada em não conseguir se encaixar. Parecia que tinha ciência da própria
loucura. Dizia coisas que faziam muito sentido, até, quando tentamos entender
como ela organiza as pessoas em sua cabeça. Mas era difícil, pois não se pode
cruzar determinadas linhas morais, como a conduta sexual, ou mesmo a freqüência
na igreja ou o lugar em que lá ocupava. Pensava mesmo que estava louca, pois nunca
ninguém concordava com suas ideias. Seus esboços.
E
de uns tempos para cá, a dita louca varrida tinha posto a escrever. Escreveu
sua primeira história. Leu e releu várias vezes, mudou trechos e os rumos da
história. Fez vários ajustes até dar-se por satisfeita com sua primeira
criação. Conheceu o êxtase e viu que era bom. Sentiu-se finalmente dentro de um
mundo. Escreveu outras dez histórias no mesmo fôlego e cada uma delas era um
êxtase assim ou assado, dependendo de seu desempenho na escrita. Amou-se pela
primeira vez. Viu-se contida o bastante para viver em sociedade, viu-se livre
de sentir-se louca, ainda que continuasse sendo, pois não sentia esperanças
para gastar com determinados sonhos dourados. Sonhava que voava, e sabia
sonhar.Dizia que sabia que estava sonhando e colocava-se a narrar uma de suas
histórias malucas outra vez.
E
então, com onze histórias escritas e devidamente ajustadas, decidiu que era o
momento certo para compartilhar. Mostrou ao papai e à mamãe, mas eles não deram
muita importância. Leram uma ou outra história e não viram nada de mais. Ainda comentaram
entre si que a menina estava terminando de enlouquecer, porque suas histórias
mirabolantes não contavam nada de mais da vida de uma boa moça comportada.
Então, não relevaram suas histórias mais verídicas. Era assim, tão
simplesmente, deixaram para lá.
A
louca da filha não teria peito para perguntar de volta o que tinham achado de
sua coletânea dourada. Eles não diziam nada, nunca. Nem que sim nem que não.
Apenas, não tocavam no assunto. E a
pobre coitada se tornava cada vez mais obcecada pela dureza que sentia para
lidar com esse simples fato. Ela pirava. Um dia, olhou na fechadura do quarto e
viu a mãe, andando, nua, da cama para o banheiro, dentro do quarto, como que
saída do banho e maquiando-se hora no espelho do banheiro, ora no do toucador. Mas
o mais engraçado, contava a menina, é que a mãe começava a desaparecer no
reflexo conforme se vestia. Colocou a saia e no mesmo instante suas pernas
sumiram. Terminou de vestir-se e ficou apenas no espelho as mãos e a cabeça,
colados num corpo que não existia mais. A mãe, enquanto pintava suas faces,
sumia à medida em que pincelava em si cores exóticas e neutras. A mãe, por fim,
terminou sem que existisse no próprio espelho. E o mais assombroso é que ela
nem tinha notado a ausência de seu reflexo, mas não parava de se olhar. E se
olhava...
A
loucura. Era ela que ligava mãe e filha. E no domingo de manhã, iam as duas
para igreja. Braços dados, dízimo, belos terços.
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