domingo, 5 de janeiro de 2014

Quem é você na fila do mercado?

O ano de 2013 terminou, dando espaço a um ano tão repleto de coisas a serem feitas, e ainda acumulando tudo aquilo que deveria ter sido feito no ano passado e ficou para esse ano. De qualquer forma, eu não estava fazendo nada disso, estava no mercado, comprando os ingredientes para preparar um bolo. Estava dando um bolo nos artigos, nos fichamentos. Um bolo igual ao que estou dando agora.

                E no mercado chique estava escolhendo quais os produtos da receita eu deveria comprar, pois havia algo já em casa. O mercado semi lotado. Nem muita gente, nem tão vazio. A não ser pela variedade de produtos, que de chique não tinha nada. Apenas uma ou duas marcas daquilo que tinha. Do que não tinha, não tinha nada. Não tinha mesmo. Mas era chique, mulheres quase senhoras empurravam seus carrinhos com bolsa a tira colo, colar de contas. Quando se tornarem senhoras de verdade, eu as verei de tallieur e colar de pérolas, mas por ora bastavam aquelas roupas que se fossem de uma cor só seriam básicas, mas as estampas sobriamente coloridas desenhavam na cabeça dos outros clientes: eu sou chique.
                Mas no mercado chique não tinha chocolate. Eu não falo achocolatado. Falo chocolate em pó, vulgo do padre. Nestlé. É o que tem de mais chique dentre as marcas nacionais. Na verdade, esse tipo de produto não apresenta opções importadas nas prateleiras de um mercado numa cidade como essa. Enfim, não tinha o chocolate e fomos no mercado da esquina, que era um mercado mais popular, menos glamuroso.
                As pessoas que andavam pelo corredor do segundo mercado eram mais mistas, mais coloridas. Via-se de todo tipo de comportamento. As sessões nas gôndolas apresentavam outra ordem, uma que eu não estava habituado. Enquanto eu procurava o tal chocolate, fui batendo o olho nos preços dos produtos que eu comprara há pouco e verificando que alguns preços eram agressivamente mais baratos e outros eram a mesma coisa. Odiei-me por comprar uma lata de tomates pelados, que é chique, por dois reais a mais do que estava sendo vendido no mercado não chique.
                Quando fiz a curva e quase entrei em outro corredor, um homem peludo com a camisa de botões abertos até o começo do estômago lutava para não derrubar o carrinho. Quando ele recuperara a estabilidade, olhou para mim com seu hálito alcólico e disse com o olhar feliz: nóis capota mais num cai!. Eu ri meu sorriso amarelo que dizia não querer contato, mas ele ignorava meus claros sinais.
                - Tarra lá e
m casa, e a muié falô preu vim no mercado. Aí eu peguei o papel e a caneta e ela foi falando a lista. Eu já tinha bebido umas pinga, rapai, e ni qui eu cheguei aqui num tô intendeno minha letra... hahahahah. Agora quero só vê na hora que eu chegá em casa que é que ela vai falá.
                Meu sorriso amarelo se desfez e eu retribui com um riso mais sincero. Conversei com ele algumas frases e retomei minha busca pelo chocolate, enquanto isso refletia. Ninguém no outro mercado olhou para minha cara. E o senhor bêbado era o mais simpático do universo com seus cabelos soltos pelo ombro de um jeito que nem um neutrox inteiro seria capaz de desemaranhar. Pensei em algumas pessoas que eu conhecia, que tinham o perfil de cliente do mercado não chique. Enquadrei vários ali com meu julgamento que me colocava em lugar superior a eles. Eu não era superior, eu era inferior e metido. E também arrogante. Foi o bêbado que me disse sem saber. Toda a simpatia dele esfregava na minha cara minha prepotência montada em nada.
                Pensei em quem são as pessoas na fila do mercado. Quem somos nós quando vamos ao mercado? Peguei o produto e saí. Paguei, entrei no carro e parti. Pouco antes de chegar em casa, procurei na minha memória uma situação em que tivesse procurado fazer contato com outras pessoas no mercado. E ali estava meu julgamento de mim mesmo. Eu trocava receitas nas sessões de hortifrúti com aquelas mulheres com cara de mãe que fazem de tudo para que o marido e os filhos comessem um pouco mais de vegetais. Eu era mãe no mercado. Em casa, os vegetais estragavam, mas no mercado eu era mãe. Uma mãe se sentindo açoitada por ter sido interpelada por um desconhecido que nem reconhecia minha situação de mãe. Não se fala como ele falou com uma mãe.

Eu não quero mais ser mãe. 

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