O ano de 2013 terminou, dando
espaço a um ano tão repleto de coisas a serem feitas, e ainda acumulando tudo
aquilo que deveria ter sido feito no ano passado e ficou para esse ano. De
qualquer forma, eu não estava fazendo nada disso, estava no mercado, comprando
os ingredientes para preparar um bolo. Estava dando um bolo nos artigos, nos
fichamentos. Um bolo igual ao que estou dando agora.
Mas no
mercado chique não tinha chocolate. Eu não falo achocolatado. Falo chocolate em
pó, vulgo do padre. Nestlé. É o que tem de mais chique dentre as marcas
nacionais. Na verdade, esse tipo de produto não apresenta opções importadas nas
prateleiras de um mercado numa cidade como essa. Enfim, não tinha o chocolate e
fomos no mercado da esquina, que era um mercado mais popular, menos glamuroso.
As
pessoas que andavam pelo corredor do segundo mercado eram mais mistas, mais
coloridas. Via-se de todo tipo de comportamento. As sessões nas gôndolas
apresentavam outra ordem, uma que eu não estava habituado. Enquanto eu
procurava o tal chocolate, fui batendo o olho nos preços dos produtos que eu
comprara há pouco e verificando que alguns preços eram agressivamente mais
baratos e outros eram a mesma coisa. Odiei-me por comprar uma lata de tomates
pelados, que é chique, por dois reais a mais do que estava sendo vendido no
mercado não chique.
Quando
fiz a curva e quase entrei em outro corredor, um homem peludo com a camisa de
botões abertos até o começo do estômago lutava para não derrubar o carrinho.
Quando ele recuperara a estabilidade, olhou para mim com seu hálito alcólico e
disse com o olhar feliz: nóis capota mais num cai!. Eu ri meu sorriso amarelo
que dizia não querer contato, mas ele ignorava meus claros sinais.
- Tarra
lá e
m casa, e a muié falô preu vim no mercado. Aí eu peguei o papel e a caneta
e ela foi falando a lista. Eu já tinha bebido umas pinga, rapai, e ni qui eu
cheguei aqui num tô intendeno minha letra... hahahahah. Agora quero só vê na
hora que eu chegá em casa que é que ela vai falá.
Meu
sorriso amarelo se desfez e eu retribui com um riso mais sincero. Conversei com
ele algumas frases e retomei minha busca pelo chocolate, enquanto isso
refletia. Ninguém no outro mercado olhou para minha cara. E o senhor bêbado era
o mais simpático do universo com seus cabelos soltos pelo ombro de um jeito que
nem um neutrox inteiro seria capaz de desemaranhar. Pensei em algumas pessoas
que eu conhecia, que tinham o perfil de cliente do mercado não chique. Enquadrei
vários ali com meu julgamento que me colocava em lugar superior a eles. Eu não
era superior, eu era inferior e metido. E também arrogante. Foi o bêbado que me
disse sem saber. Toda a simpatia dele esfregava na minha cara minha prepotência
montada em nada.
Pensei
em quem são as pessoas na fila do mercado. Quem somos nós quando vamos ao
mercado? Peguei o produto e saí. Paguei, entrei no carro e parti. Pouco antes
de chegar em casa, procurei na minha memória uma situação em que tivesse
procurado fazer contato com outras pessoas no mercado. E ali estava meu
julgamento de mim mesmo. Eu trocava receitas nas sessões de hortifrúti com
aquelas mulheres com cara de mãe que fazem de tudo para que o marido e os
filhos comessem um pouco mais de vegetais. Eu era mãe no mercado. Em casa, os
vegetais estragavam, mas no mercado eu era mãe. Uma mãe se sentindo açoitada
por ter sido interpelada por um desconhecido que nem reconhecia minha situação
de mãe. Não se fala como ele falou com uma mãe.
Eu não quero mais ser mãe.
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