sábado, 5 de julho de 2014

Enquanto isso, no jardim dos temperos


E um pouco antes de começarem os primeiros raios do sol a brincar no quintal, já em perfeita claridade, pude entender o que acontecia com as plantas da minha hortinha de temperos. É uma dessas suspensas, com plantinhas penduradas em vasos fixados em uma treliça de madeira, dessas aproveitadas de mercados, do tipo pallet. Então. Estavam lá a família completa: o Manjericão, a Cebolinha, o Alho, a Batata Bebê, o Tomilho, o Orégano, a Salsinha, o Hortelã, a Menta, o Tomate e a Biscatinha Muda. Estavam todos sendo eles mesmos, bem tratados, com terra nutritiva e o sol da manhã. Era um privilégio. Todas elas com vistas para o quintal, com a Pitangueira e sua filha Pitangueirinha, preparando sua partida. Também de frente com Sinos do Japão, que está florida por conta do inverno. Elas ficam lindas no inverno!
Nessa época de seca dou água todo dia. O Tomate, coitado é frágil. Se não beber água todo santo dia, ele morre. Mas se der muita, ele morre afogado. Então, aprender a dose é um problema, porque cada tomateiro é diferente um do outro, assim como todos os homens são iguais, mas muito pouca gente está disposta a trocar ou partilhar o seu. Bem, e muito menos eu queria lá compartilhar meus vasinhos da hortinha suspensa. Mas às vezes não temos poder de decisão.
E eis que numa manhã, quando chego para dar água, e o que aconteceu com o Tomilho? Todas as folhas caíram. Caíram. Simplesmente caíram. Pof, pof, pof, pof... uma a uma todas estavam escorregadas de seus galhos, repousando no chão, meu chão, ou no chãozinho particular dela, dentro do seu território nacional, o vasinho. Achei que o Tomilho fosse um falso comigo. Eu sempre ali, a observar o nascer de cada folhinha. E ele fez isso comigo. Não estava bem, nem me contara do acontecido. Ele passava mal em silêncio. O Tomate, pelo menos, sofria, minguava, e eu sabia que ele precisava de uma atenção especial. E eu dava e dou essa atenção especial imediatamente quando me é solicitada. Tomilho ingrato!
Depois, refletindo, lembro-me de sempre xingar o Tomate porque sua fragilidade poderia botar tudo a perder a qualquer instante, que ele deveria se garantir, aprender, sabe? E eu sempre o criticava. Mas eu jurava que as plantas não ouviam. Talvez o modo de ouvir seja outro, seja pela vibração que eu mando, no sabor que eu dou para a água que eu dou para o Tomate. O Tomilho ficou com medo e preferiu se esconder. Vai ver ainda por cima a culpa é minha.
E como se não bastasse, hoje, eu me levanto com o sol e vou dar água para meus amigos nos vasinhos deles. Depois, bebo eu uma boa golada de água bem refrescante ao lado do canteiro, fazendo ali uma aliança de confiança, amor, amizade e alegria. Os primeiros raios do sol atravessaram o meu copo que decompôs a luz em arco-íris, enfeitando da maneira mais mágica possível. Eu acho que eu seria capaz de ver uns elementais passeando por entre os cheiros.
Aí, olho para a Cebolinha. E o que está acontecendo com ela? Ela está perdendo seus cabelos!! E rápido! Depressa, já quase perdeu tudo!! E quando olho para o lado, o orégano todo destruído! Que tristeza... E uma aproximadinha a mais me foi possível para revelar o mistério do jardim suspenso: eram um bandinho de formigas vermelhas! Elas trabalhavam vermelhinhas da cor dos primeiros raios de sol vistos da janela do meu quarto. Vermelhas de tão fantásticas!! E elas eram bravas, valentes e violentas!! Joguei-lhe águas, assoprei, e depois fui procurar a trilha. Cadê a linha, cadê a fila? Não havia!! Isso não pode ser!! Um grupo de formigas vermelhas? Seriam as Formigas Amazonas? Elas sucumbiram ao meu poder soberano sobre as condições controláveis dos territórios que eu conquistei para os meus amigos temperos. Eu era o mais forte ali, mas porque elas estavam isoladas? Trabalham como equipe especializada em jardins suspensos. Não dependem do ninho, não dependem do serviço cotidiano de um formigueiro. Trabalham um período e são salariadas. Milhões e milhões de hipóteses.

Tudo isso enquanto você  não ligou.

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